sábado, 24 de janeiro de 2009

Ovar - a minha primeira.




Meados de Setembro do ano de 1992. Fim de tarde de sábado. Mais um sábado. Sábado como outro qualquer.

Corria célere o verão de 1992. O seu fim aproximava-se a passos rápidos. Já se começavam a sentir no ar alguns cheiros característicos do Outono e da época das colheitas, que não tardaria em chegar.

José, ciclista nas horas vagas, encontrava-se sentado à mesa de um café numa esplanada da praia do Furadouro. Acabara de saborear um café. Sem açúcar, como José gosta. Enquanto brinca com a chávena que, no seu fundo, tem ainda alguns resíduos de café, vai pensando na vida. Vêm-lhe à memória aqueles longos passeios de bicicleta, que, desde que despontara a última Primavera, tinham ocupado grande parte dos seus tempos livres. Pensa na satisfação que os mesmos lhe deram.

José sabe que o verão, o verão deste ano, está a terminar. José sabe que em breve os dias ficarão mais pequenos, a noite cairá mais cedo. José sabe que vem aí a nostalgia do Outono e o frio do Inverno. Tardará a chegada da primavera e dos dias convidativos às longas passeatas de bicicleta.

Por isso José está nostálgico e apreensivo.

À sua frente, apressados, passam alguns conhecidos que, por ser fim de tarde, se apressam em direcção ao parque de campismo. Nas suas mãos levam sacos onde transportam alimentos que foram comprar ao mini-mercado mesmo ali em frente.

Eis que, de repente, quase sem dar conta, José fixa o seu olhar vago num cartaz colado numa montra mesmo à sua frente, do lado oposto da rua. E o que ali vê escrito? “4ª. Meia maratona cidade de Ovar - 5 de Outubro de 1992”. É o que reza no cartaz.

Desliza o seu olhar para outras bandas, observa outras gentes que passam.

Poderia ter acabado aqui a história. Mas não. José vem para casa e continua a pensar naquilo que leu. Parece que algo está a germinar no seu pensamento. Há uma ideia que está a nascer e que parece estar em crescendo.

No dia seguinte José acordou decidido. José decidiu que iria correr a meia maratona de Ovar. Faltam cerca de 15 dias para o 5 de Outubro. Aproveitando a “endurance” adquirida com os seus longos treinos de bicicleta, José faz alguns treinos de corrida contínua, poucos, porque o tempo já é escasso, e no dia lá se apresenta à partida.

Ansioso, sem saber o que o esperava, lá começa a sua prova. Parte quase em último, como, de resto, ainda hoje faz, e lá foi correndo. Correndo como nunca havia corrido. E correu, correu e continuou a correr, até que chegou ao fim. Alegre, bem disposto e satisfeito por ter descoberto uma nova vocação. O tempo? Secundário, neste caso, mas, já agora, 1h e 53 minutos.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Maratonas.

O ano de 2008 foi uma ano diferente na minha vida de “atleta” .

Foi em 2008 que eu ganhei coragem para fazer uma coisa com a qual eu já vinha sonhando há muitos anos, e para a qual me faltava coragem. Correr uma maratona.

Assim o fiz. Corri, não uma maratona, mas três.

Foi assim:

Barcelona – 02/Março/2008.

Foi a primeira. Foi um viver de emoções que jamais esquecerei. Terminei a prova com 4:48:00. Foi uma experiência que me marcou bastante pois a partir do momento (por volta dos 30 kms.) que eu senti que me era possível completar a maratona, eu simplesmente fui “saboreando” a corrida até ao fim. Quase diria que nem queria que ela terminasse tal era a emoção e a felicidade que eu sentia por estar a viver aquele momento. Posso dizer que vivi emoções que figuram no rol dos grandes momentos da minha vida.






















Porto - 26/Outubro/2008:

Aqui já fui mais confiante. Terminei com 4:32:00. Nesta corrida tive a oportunidade de conhecer o tal “muro”. Descuidei-me um pouco nos abastecimentos e quando acordei já era tarde. Por volta dos 28 kms. chegou o tal muro. Durante alguns kms. tive de sofrer para não desistir e caminhei bastantes vezes, o que é bem contra a minha natureza, mas teve de ser. De qualquer modo, gostei de encontrar esse muro pois tive a oportunidade de o conhecer, de conviver com ele, de lutar com ele e de o ter vencido. Apesar de tudo é impressionante a força que nos dá lutarmos contra o limite das nossas forças e conseguirmos ir em frente.














Lisboa – 07/Dezembro/2008

Em Lisboa, pouco mais de um mês depois do Porto, fui com calma, sempre num ritmo muito certo e acabei a prova com 4:33:00. Comparativamente com a prova do Porto posso dizer que sofri muito menos e que acabei praticamente com o mesmo tempo. Foi uma prova de que gostei muito, em que eu pensava que poderia fazer menos alguns minutos, o que não foi possível, pois maratona é maratona e não há milagres.
















Apesar de ter corrido estas 3 provas não sei se terei conquistado o estatuto de maratonista, pois há quem diga que para fazer mais que 4 horas numa maratona mais vale ficar em casa. De qualquer modo, maratonista ou não, fiquei a gostar de correr maratonas e irei continuar.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Senhora de Cardielos











Pelos Aliados abaixo lá sigo eu aproveitando o embalo da descida. Faço a curva e inicio a subida que me levará até aos metros finais desta S. Silvestre da Cidade do Porto. A uns duzentos metros vejo o insuflável anunciando a meta, que logo atinjo e ultrapasso, para, de seguida, pisar o tapete que regista os “chips”. Paro e inicio a minha caminhada para o local de entrega dos prémios. Logo me deparo com uma senhora, de modos simples, de porte pequeno, aparentemente frágil. Estende-me um papel, é o boletim para a inscrição na XI meia-maratona de Viana do Castelo. Trata-se de Manuela Machado, a Senhora de Cardielos.

Gerações mais novas não saberão que do palmarés daquela Senhora constam, entre outros, os seguintes resultados:

1992
Barcelona
Jogos Olímpicos
7ª.
2:38:22


1993
Estugarda
Mundiais de Atletismo
2ª.
2:30:54


1994
Helsínquia
Europeus de Atletismo
1ª.
2:29:54


1995
Gotemburgo
Mundiais de Atletismo
1ª.
2:25:39



1996
Atlanta
Jogos Olímpicos
7ª.
2:31:11



1997
Atenas
Mundiais de Atletismo
2ª.
2:31:12


1998
Budapeste
Europeus de Atletismo
1ª:
2:27:10

Apesar disso, ali estava ela, anónima, passando despercebida.

Para estes campeões, campeões de “low-profile”, campeões “sem manager”, campeões que não têm direito a integrar comitivas presidenciais ou governamentais, esta simples homenagem. Por isso, no dia 25 de Janeiro lá vou estar em Viana do Castelo para, à minha maneira, honrar a campeã Manuela Machado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

De partida.

Durante anos o percurso dos meus treinos passava, invariavelmente, por um bloco de apartamentos situado a algumas centenas de metros de minha casa.

Durante anos, fosse às sete da manhã, fosse às sete ou oito da tarde, era habitual ver à janela do primeiro andar desse bloco de apartamentos um senhor, que, sabe-se lá porquê, vinha para a janela fumar o seu cigarro. Talvez para não poluir a casa. Talvez para ver um pouco de luz, ou talvez as duas coisas.

Quando ali passava o senhor acenava-me com a mão e dirigia-me um sorriso simpático, sorriso esse que teria a sua mensagem.

Eu, sozinho com os meus pensamentos, recebia de bom grado aquele sorriso e retribuía o cumprimento.

Foi assim durante largos anos.

Na passada segunda-feira, afixado na porta da padaria, vi um anúncio que dizia que o Manuel C.L. tinha falecido.

Morreu-me, assim, um amigo com quem nunca falei, e cujo nome nem sequer sabia.

Sei agora que tinha 64 anos de idade e que se chamava Manuel C.L..

Quantas vezes pensamos que estamos escondidos numa qualquer janela do esquecimento, e tal não é verdade.

Hoje passei novamente a casa do senhor Manuel. A janela continuava aberta… Lembrei-me do senhor Manuel. Vou-me lembrar sempre quando ali passar.
É a minha homenagem.