quinta-feira, 28 de maio de 2009

De vitória em vitória até à derrota final.



De um livro de estudos de uma das minhas filhas, já lá vão muitos anos, retive a história que passo a descrever.
Certo homem, obstinado por natureza, teimou que poderia atirar-se em queda livre de um prédio de vários andares, que nada lhe aconteceria.
Apesar de alguém, sensatamente, o ter advertido do risco de tal acção, o mesmo achou por bem levar por diante a sua ideia, apelidando de “medricas” os tais sensatos interlocutores.
E se bem o pensou, mais depressa o fez.
No dia tal subiu a um prédio de 20 andares e toca de atirar-se em queda livre por aí abaixo.
E lá vai ele em queda livre!
Passa pelo 19º. andar e nada lhe acontece. Eufórico, continua a sua vertiginosa queda.
18º., 17º. 16 e por aí a diante, sempre a cair. Passa pela janela do décimo andar e, entusiasmado, clama:
- Vêem, estou vivo, nada de mal me aconteceu!
E lá continua o simpático homem a sua aventura. 9º., 8º., 7º., 6º,. 5º., e nada de perigo. Novamente o homem clama:
- Maravilha, é sempre a abrir!
Mais perto do chão, o distinto continua a sua queda, e mesmo quando chegado ao 1º. andar sente-se entusiasmado e grita:
- Estou vivo!
Mesmo perto do fim, com a morte à vista, o homem sente-se eufórico e confiante e exulta porque apesar da sua queda nada de mal lhe aconteceu.
E no entanto o seu fim está a umas décimas de segundo…
Esta história está contada à minha maneira, pois o único arquivo que tenho da mesma é a minha memória. Creio, no entanto, que reflecte a ideia original.
Aplicava-se a uma disciplina de “Ciências do Ambiente” mas creio que a sua moral não pode ficar por aí. Pode ser adaptada por cada um de nós a muitas situações do nosso dia a dia, atletismo e corridas incluído.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A obra é do artista.




Por vezes olhamos para certas obras e simplesmente ficamos indiferentes. Não raras vezes desdenhamos das mesmas. E isto por um ou por muitos motivos: não temos conhecimentos suficientes para avaliar tal obra; não prestamos a devida atenção aos pormenores importantes; não gostamos do artista; a obra vai contra os nossos princípios ou valores, etc..

Assim, na maior parte das vezes o artista é “condenado” a viver sozinho com a sua obra, chegando, muitas vezes, a escondê-la..

Mas, como diz o provérbio, “o verdadeiro artista nunca se cansa”.

Só o artista conhece o essencial da sua obra. Sabe de que sonhos ela nasceu; quantos sonhos ajudou a manter; quantas dores e desilusões provocou; quanto cansaço ocasionou.

Por tudo isto se é justo que o artista peça que respeitem a sua obra, justo é, também, que o artista compreenda que não é lícito exigir aos espectadores que vibrem com uma tela, uma representação, uma escultura, um poema, uma corrida, uma vez na maior parte das vezes a sua compreensão não vai para além daquilo que os seus olhos podem observar ou os seus ouvidos podem escutar. O sentimentos, esses, são muito mais dificilmente perscrutáveis.

Uma vez aceites estes princípios tudo será mais fácil. Assim, muitas coisas poderão acontecer:

de certeza o cantor voltará a cantar;

de certeza o actor voltará a representar;

de certeza o pintor voltará a pintar;

de certeza o escultor voltará a esculpir;

de certeza o poeta voltará a escrever

e de certeza o atleta voltará a correr (ainda com mais força).

Depois da minha última corrida em Madrid, apareceram-me alguns sentimentos contraditórios. Vim a verificar, alguns dias depois, que outras pessoas, em situações semelhantes, viveram emoções idênticas.

Na altura o meu "lado romântico" deitou cá para fora esta "prosa". Não a publiquei naquela hora, mas ficou guardada no computador. Hoje decidi publicá-la.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Do Paseo de Recoletos ao Parque Del Retiro.

Finalmente, depois de tantas semanas de treinos, ali estava eu em Madrid, em pleno “Paseo de Recoletos”, para dar início à minha 4ª. maratona. .Gostei de ver na linha de partida todos os atletas em estado de reverência perante algo que estava para acontecer. Por alguns momentos olhei à minha volta e tentei imaginar o que iria na alma daquelas pessoas que me rodeavam. O sentimento geral era de profundo respeito. Respeito? Medo? Como são tão diferentes as linhas de partida de uma corrida de 5 ou 10 kms. e de uma maratona! São estados de espírito totalmente distintos. Salvo algumas raras excepções de pequenos grupos em que as pessoas aparentavam grande descontracção, todos os restantes atletas apresentavam uma ar concentrado e pensativo.

Dado o tiro de partida, lá avançaram os atletas para a “sua prova”. Sua, sim, porque se trata de um desafio pessoal. Estava muito frio e a chuva que ameaça cair passou-se das ameaças e começou mesmo a cair. Durante algum tempo o céu estava tão negro que eu pensei que iríamos ter uma maratona totalmente realizada debaixo de um temporal. Afinal, tal não veio a acontecer, pois não tardou a aparecer o bom tempo que permaneceu até ao fim da corrida e continuou pelo resto do dia, permitindo, assim, que a festa tivesse um brilho diferente.

O pelotão seguia compacto, o que, no meu caso pessoal, aconteceu até ao final da corrida, pois estive sempre rodeado de muitos atletas. Por acaso, e só por acaso, fiquei posicionado junto aos balões (2 grandes balões azuis) das 4 horas.

O meu objectivo era fazer a primeira metade da prova em 2h 06minutos (média de 6”/Km). A segunda metade, bem, logo se veria… Tentaria fazer melhor do que nas maratonas anteriores, em que o meu melhor tempo tinha sido 4h 32”. Pelos treinos que tinha realizado, sabia que isso era possível, mas também sabia que prognósticos… só no fim. Afinal quem, em consciência, pode, numa corrida de 42 kms., responder pelo comportamento do seu corpo. Quem sabe como o mesmo vai reagir? Afinal, dependemos de tantos músculos, de tantas enzima, de tantas reacções químicas…

Curiosamente, talvez efeito do ambiente envolvente, esqueci-me de todo de que estava numa corrida de mais de 4 horas. Só quando já tinha uma hora de corrida é que tomei verdadeira consciência de que ainda teria de correr mais 3 horas, pelo menos. A certa altura, ainda nos primeiros quilómetros, passámos junto ao Estádio do Real
Madrid e alguns atletas que seguiam no meu grupo começaram a cantar:
- “Peeepe!”; Peeepe!”.
Era o efeito do episódio recente da agressão e consequente castigo de 10 jogos aplicados ao jogador Pepe.
Entretanto, ao meu lado seguia um grande grupo de atletas, todos muito jovens, vestidos de amarelo.
Entoavam cânticos militares e transportavam uma bandeira. Tratava-se de um grupo de jovens pára-quedistas. Nos seus equipamentos tinham inscrito “Brigada Pairaquedista”. A maneira como os mesmos entoavam os seus cânticos emprestava à corrida um certo ar de vitória que, no meu caso pessoal, me empolgou muito. Um dos jovens cantava e os outros respondiam em coro. Bonito! Será que eles conseguiriam manter aquela postura até ao fim da maratona?

Fui seguindo junto aos balões das 4 horas. Por vezes achava por bem ficar para trás, pois 4 horas estava acima dos meus objectivos, e tinha receio de estar a andar demasiado rápido no início. No entanto, como me sentia bem, lá fui mantendo o andamento. Passei à meia maratona com 1h 58”, ou seja com menos 8 minutos do que o previsto. Lá fui seguindo e consegui, sem grande sofrimento, chegar aos 30 kms. com 2h 50”. Tinha planeado fazer os primeiros 30 kms. em 3 horas, pelo que mantinha um bom “mealheiro” de 10 minutos. Entretanto passámos por alguns locais onde o público era tanto e tão entusiasta que me fez lembrar as chegadas em montanha da volta à França em bicicleta em que os ciclistas quase são sufocados pela multidão. Foi arrepiante!

Por volta do km. 30 estava lá um senhor que gritava para os atletas “Ânimo! Vêem, não tem aí nenhum muro !”.O homem sabia do que falava. E era verdade, não estava ali nenhum “muro”. Entretanto a prova tinha entrado no “Parque da Casa de Campo” e durante largos quilómetros fomos correndo dentro deste bonito parque.

Eu sabia que o final da prova seria difícil, pois os últimos quilómetros eram quase sempre a subir. Por volta dos 38 kms. comecei a sentir sinais do dito “muro”. Tinha planeado não caminhar durante a prova. Gosto de fazer planos e de ser fiel aos mesmos. Mas, por vezes, temos que ser realistas. Assim, fiz, e a breves espaços, caminhei.
Por esta altura a “Brigada Pairaquedista” continuava perto de mim, como, de resto andou durante toda a corrida. Umas vezes à frente, outras atrás. Os seus cânticos já não eram tão frequentes nem tão fortes. Contudo, nesta fase final, também eles se excederam e fizeram das tripas coração, pois havia que manter a imagem de vitória e neste caso a assistência não perdoava.
Faltam agora cerca de 2 kms. e a partir daqui seria sempre a subir. Já tinha tomado duas saquetas de gel e achei que tomar mais uma seria gel a mais. Tomo ? Não tomo? Tomei! Já não iria fazer nada, creio eu, pois o efeito não é imediato, mas como as forças já eram poucas qualquer incentivo iria ajudar. Por esta altura já tinha perdido os minutos amealhados. Agora há que cerrar os dentes e ir lá ao fundo, mesmo bem ao fundo, buscar aquelas energias que vêm mais da cabeça do que das pernas, que a “glória” está para vir. Entretanto muitas pessoas incentivavam os atletas, e algumas diziam umas palavras mágicas: “Força, já falta pouco para a fotografia”. Sobe-se, sobe-se mais ainda, faz-se uma curva e ainda mais subida.
Entrei, finalmente, no “Parque Del Retiro”.



Estrada larga e agora começa um percurso plano, ligeiramente a descer em algumas partes. De ambos os lados muita gente a assistir e a incentivar. Consigo ver a minha mulher, que ainda tenta tirar-me uma foto, mas, na hora da verdade, outro atleta passou à minha frente e “roubou-me” o registo.

Para colmatar a falta da minha claque, a minha mulher lá me conseguiu arranjar uma claque “emprestada”.
Começo a ver a meta e o relógio que marca 4h e 11”. Dá-me uma força danada e corro com entusiasmo. Não foi do gel, de certeza. O gel chamava-se “meta à vista”. Chego, por fim, à meta, com o relógio a marcar 4:12:20.

Terminei a prova à Nuno Gomes, um braço no ar e outro a beijar a aliança. Emoções à flor da pele. Corredor tem destas coisas. Por momentos só me apetecia sentar e chorar.
Mas não era daquele chorar de olhos húmidos. Era chorar mesmo a sério. Não tinha encomendado esta cena, mas se ela apareceu é porque fazia sentido…para mim. Lá consegui sufocar as emoções e seguir o meu caminho.

Passada a meta foi tempo de receber a medalha

e outros prémios (fruta, coca-cola, nestea, leite, pacote de frutos secos, e outras coisas mais) . Gostei do agasalho plástico que deram aos atletas, e que muito jeito deu. Pequeno grande pormenor. Levantei a roupa que tinha deixado na partida e saí. Senti-me um pouco enjoado e aproveitei para descansar, deitado, na relva, onde muitos outros atletas faziam o mesmo. Que bem me soube este descanso de alguns minutos.

Recuperado, regressei para junto da minha mulher, que me esperava. No caminho, tive o prazer de encontrar o Fernando Andrade, que eu não conhecia pessoalmente, e que por ali andava a procura de um companheiro. Feliz acaso. Por alguns breves minutos trocamos impressões e despedimo-nos.

Chegado ao hotel há que tomar banho e a vida contínua. Gerir as emoções e saborear a vitória são coisas que virão nos dias seguintes.

sábado, 9 de maio de 2009

Maratona é terapia para a mente.

Concluir uma maratona é uma vitória. Vitória do físico, que fortalece o corpo mental, emocional e espiritual. Nada é mais significativo para a mente de uma pessoa do que ela ver seu corpo realizando tal proeza. É um momento de se deixar levar, de se emocionar e sentir toda a pujança da vida. O obstáculo superado deixa uma marca muito concreta com um efeito terapêutico sobre nossa mente.

A palavra maratona é utilizada quando se quer dizer que alguém irá cumprir uma árdua e longa missão. O termo surgiu em 490 a.C. Os gregos haviam vencido os persas na batalha de Maratona e coube a Pheidippides a tarefa de levar a boa notícia até Atenas. Ele correu aproximadamente 35 km da planície da Maratona até Atenas e, ao chegar, só teve fôlego de anunciar "vencemos" e caiu morto.

Essa história não é comprovada, mas mostra o quão agressivo ao organismo pode ser percorrer um percurso de 42 km, não respeitando seu momento cardiovascular, indo muito além dos limites suportáveis pelo corpo. Mas participar de uma maratona uma ou duas vezes na vida pode ser extremamente gratificante e grandioso! Por quê? A maratona deve ser um momento especial na vida da pessoa. Essa experiência única comove nosso espírito, nossas emoções, nos fortalece e nos deixa realmente outro.

A vitória do corpo físico fortalece o corpo mental, emocional e espiritual. Nada é mais significativo para a mente de uma pessoa, do que ela ver, ali, seu corpo realizando tal proeza. Maratona fortalece caráter e personalidade. Correr 42 km fortifica nosso caráter e desenvolve bastante nossa personalidade. Isso porque o indivíduo tem que se impor a continuar ao longo do trajeto e não se abater, principalmente quando se percorreu os primeiros 20 km. O moral se bate, pois ainda faltam mais de 20. O obstáculo superado deixa uma marca muito concreta com um efeito terapêutico sobre nossa mente.

Como deve ser feita a maratona? O organismo deve trabalhar numa freqüência cardíaca baixa conquistada com treinamento correto. Por isso é preciso preparar-se adequadamente e deixar a evolução de sua corrida vir gradativamente através de treinos sólidos. A maratona deve ser feita somente participando, relaxado, descompromissado com qualquer outra coisa que não seja festejar a ida. É um momento de se deixar levar, de se emocionar, de perceber seu corpo e sentir toda a pujança da vida passando diante de seus olhos e receber o calor das pessoas acenando, gritando e incentivando. Deve-se festejar engrandecido cada quilômetro vencido, sem pensar nos próximos quilômetros. Estar realmente dentro e somente de cada quilômetro percorrido, viver o presente.

Males
A maratona quando feita com uma freqüência cardíaca alta, forçando demais o ritmo natural do organismo, coloca sua vida em risco. Pude ver pessoalmente em algumas Olimpíadas o day after de alguns maratonistas. Eles sequer conseguiam caminhar... Descer escada, nem pensar! Por aí se calcula o estrago devido ao esforço extraordinário do coração, do metabolismo e do organismo: pernas, musculatura, articulações, ligamentos e tendões. É preciso acabar com essa cultura da malhação estúpida, onde se trata corpo como máquina, impondo limites além de sua capacidade. (por Nuno Cobra)
Fonte:http://www.universodainteligencia.com.br/modules/news/article.php?storyid=13