quarta-feira, 13 de maio de 2009

Do Paseo de Recoletos ao Parque Del Retiro.

Finalmente, depois de tantas semanas de treinos, ali estava eu em Madrid, em pleno “Paseo de Recoletos”, para dar início à minha 4ª. maratona. .Gostei de ver na linha de partida todos os atletas em estado de reverência perante algo que estava para acontecer. Por alguns momentos olhei à minha volta e tentei imaginar o que iria na alma daquelas pessoas que me rodeavam. O sentimento geral era de profundo respeito. Respeito? Medo? Como são tão diferentes as linhas de partida de uma corrida de 5 ou 10 kms. e de uma maratona! São estados de espírito totalmente distintos. Salvo algumas raras excepções de pequenos grupos em que as pessoas aparentavam grande descontracção, todos os restantes atletas apresentavam uma ar concentrado e pensativo.

Dado o tiro de partida, lá avançaram os atletas para a “sua prova”. Sua, sim, porque se trata de um desafio pessoal. Estava muito frio e a chuva que ameaça cair passou-se das ameaças e começou mesmo a cair. Durante algum tempo o céu estava tão negro que eu pensei que iríamos ter uma maratona totalmente realizada debaixo de um temporal. Afinal, tal não veio a acontecer, pois não tardou a aparecer o bom tempo que permaneceu até ao fim da corrida e continuou pelo resto do dia, permitindo, assim, que a festa tivesse um brilho diferente.

O pelotão seguia compacto, o que, no meu caso pessoal, aconteceu até ao final da corrida, pois estive sempre rodeado de muitos atletas. Por acaso, e só por acaso, fiquei posicionado junto aos balões (2 grandes balões azuis) das 4 horas.

O meu objectivo era fazer a primeira metade da prova em 2h 06minutos (média de 6”/Km). A segunda metade, bem, logo se veria… Tentaria fazer melhor do que nas maratonas anteriores, em que o meu melhor tempo tinha sido 4h 32”. Pelos treinos que tinha realizado, sabia que isso era possível, mas também sabia que prognósticos… só no fim. Afinal quem, em consciência, pode, numa corrida de 42 kms., responder pelo comportamento do seu corpo. Quem sabe como o mesmo vai reagir? Afinal, dependemos de tantos músculos, de tantas enzima, de tantas reacções químicas…

Curiosamente, talvez efeito do ambiente envolvente, esqueci-me de todo de que estava numa corrida de mais de 4 horas. Só quando já tinha uma hora de corrida é que tomei verdadeira consciência de que ainda teria de correr mais 3 horas, pelo menos. A certa altura, ainda nos primeiros quilómetros, passámos junto ao Estádio do Real
Madrid e alguns atletas que seguiam no meu grupo começaram a cantar:
- “Peeepe!”; Peeepe!”.
Era o efeito do episódio recente da agressão e consequente castigo de 10 jogos aplicados ao jogador Pepe.
Entretanto, ao meu lado seguia um grande grupo de atletas, todos muito jovens, vestidos de amarelo.
Entoavam cânticos militares e transportavam uma bandeira. Tratava-se de um grupo de jovens pára-quedistas. Nos seus equipamentos tinham inscrito “Brigada Pairaquedista”. A maneira como os mesmos entoavam os seus cânticos emprestava à corrida um certo ar de vitória que, no meu caso pessoal, me empolgou muito. Um dos jovens cantava e os outros respondiam em coro. Bonito! Será que eles conseguiriam manter aquela postura até ao fim da maratona?

Fui seguindo junto aos balões das 4 horas. Por vezes achava por bem ficar para trás, pois 4 horas estava acima dos meus objectivos, e tinha receio de estar a andar demasiado rápido no início. No entanto, como me sentia bem, lá fui mantendo o andamento. Passei à meia maratona com 1h 58”, ou seja com menos 8 minutos do que o previsto. Lá fui seguindo e consegui, sem grande sofrimento, chegar aos 30 kms. com 2h 50”. Tinha planeado fazer os primeiros 30 kms. em 3 horas, pelo que mantinha um bom “mealheiro” de 10 minutos. Entretanto passámos por alguns locais onde o público era tanto e tão entusiasta que me fez lembrar as chegadas em montanha da volta à França em bicicleta em que os ciclistas quase são sufocados pela multidão. Foi arrepiante!

Por volta do km. 30 estava lá um senhor que gritava para os atletas “Ânimo! Vêem, não tem aí nenhum muro !”.O homem sabia do que falava. E era verdade, não estava ali nenhum “muro”. Entretanto a prova tinha entrado no “Parque da Casa de Campo” e durante largos quilómetros fomos correndo dentro deste bonito parque.

Eu sabia que o final da prova seria difícil, pois os últimos quilómetros eram quase sempre a subir. Por volta dos 38 kms. comecei a sentir sinais do dito “muro”. Tinha planeado não caminhar durante a prova. Gosto de fazer planos e de ser fiel aos mesmos. Mas, por vezes, temos que ser realistas. Assim, fiz, e a breves espaços, caminhei.
Por esta altura a “Brigada Pairaquedista” continuava perto de mim, como, de resto andou durante toda a corrida. Umas vezes à frente, outras atrás. Os seus cânticos já não eram tão frequentes nem tão fortes. Contudo, nesta fase final, também eles se excederam e fizeram das tripas coração, pois havia que manter a imagem de vitória e neste caso a assistência não perdoava.
Faltam agora cerca de 2 kms. e a partir daqui seria sempre a subir. Já tinha tomado duas saquetas de gel e achei que tomar mais uma seria gel a mais. Tomo ? Não tomo? Tomei! Já não iria fazer nada, creio eu, pois o efeito não é imediato, mas como as forças já eram poucas qualquer incentivo iria ajudar. Por esta altura já tinha perdido os minutos amealhados. Agora há que cerrar os dentes e ir lá ao fundo, mesmo bem ao fundo, buscar aquelas energias que vêm mais da cabeça do que das pernas, que a “glória” está para vir. Entretanto muitas pessoas incentivavam os atletas, e algumas diziam umas palavras mágicas: “Força, já falta pouco para a fotografia”. Sobe-se, sobe-se mais ainda, faz-se uma curva e ainda mais subida.
Entrei, finalmente, no “Parque Del Retiro”.



Estrada larga e agora começa um percurso plano, ligeiramente a descer em algumas partes. De ambos os lados muita gente a assistir e a incentivar. Consigo ver a minha mulher, que ainda tenta tirar-me uma foto, mas, na hora da verdade, outro atleta passou à minha frente e “roubou-me” o registo.

Para colmatar a falta da minha claque, a minha mulher lá me conseguiu arranjar uma claque “emprestada”.
Começo a ver a meta e o relógio que marca 4h e 11”. Dá-me uma força danada e corro com entusiasmo. Não foi do gel, de certeza. O gel chamava-se “meta à vista”. Chego, por fim, à meta, com o relógio a marcar 4:12:20.

Terminei a prova à Nuno Gomes, um braço no ar e outro a beijar a aliança. Emoções à flor da pele. Corredor tem destas coisas. Por momentos só me apetecia sentar e chorar.
Mas não era daquele chorar de olhos húmidos. Era chorar mesmo a sério. Não tinha encomendado esta cena, mas se ela apareceu é porque fazia sentido…para mim. Lá consegui sufocar as emoções e seguir o meu caminho.

Passada a meta foi tempo de receber a medalha

e outros prémios (fruta, coca-cola, nestea, leite, pacote de frutos secos, e outras coisas mais) . Gostei do agasalho plástico que deram aos atletas, e que muito jeito deu. Pequeno grande pormenor. Levantei a roupa que tinha deixado na partida e saí. Senti-me um pouco enjoado e aproveitei para descansar, deitado, na relva, onde muitos outros atletas faziam o mesmo. Que bem me soube este descanso de alguns minutos.

Recuperado, regressei para junto da minha mulher, que me esperava. No caminho, tive o prazer de encontrar o Fernando Andrade, que eu não conhecia pessoalmente, e que por ali andava a procura de um companheiro. Feliz acaso. Por alguns breves minutos trocamos impressões e despedimo-nos.

Chegado ao hotel há que tomar banho e a vida contínua. Gerir as emoções e saborear a vitória são coisas que virão nos dias seguintes.

5 comentários:

  1. Parabéns pela concretização da maratona

    Cumps
    J.Lopes

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  2. Fantástico, Amigo José Alberto !!!
    O seu relato está estupendo e colocou-me a reviver todos aqueles passos e a sentir as mesmas emoções. Uma maratona daquelas, mesmo que já a tenhamos feito outras vezes, proporciona-nos sempre umas sensações difíceis de descrever. Mas o Zé conseguiu fazê-lo de forma soberba.
    Agora... ter ainda tão presente toda a magestade do que aqui nos conta e ir participar na maratona Carlos Lopes, (que mereceria uma maratona ao nível da de Madrid) é sentir uma certa tristeza por vermos que ao fim de 5 horas de prova, chegaram à meta tantos atletas, quantos chegavam em Madrid, de 2 em 2 minutos.
    Enfim... haja esperança de que isto há-de melhorar.
    Entretanto, a 6ª Maratona do Porto está quase aí.

    Grande abraço.
    FA

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  3. Amigo José Alberto
    mais uma vez os meus parabéns pela sua maratona de Madrid e pelo excelente relato, demorou mas valeu a pena a espera.
    Já vi que as baterias agora apontam Porto2009, espero também lá estar, guardo gratas recordações da maratona de 2008 na Invicta.
    Grande abraço,
    António Almeida

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  4. Caro José,
    2o minutos a menos do que esperava, é obra assinalável! Parabéns pela prova e pelo relato.
    Um abraço,
    Fernando

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  5. José,

    Muitos parabéns pelo excelente resultado alcançado, certamente um justo prémio pela preparação efectuada.
    Gostei muito de ler a sua descrição pela forma pormenorizada como relata determinados aspectos (aqueles que mais o marcaram), mas essencialmente pela forma emotiva como nos transmite aquilo que sentiu.

    abraço
    MPaiva

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